O consumo e a evolução do preço dos CEPAC da OUC Porto Maravilha nos 10 anos que se seguiram ao seu leilão
Este é o nosso terceiro artigo de uma série sobre o Porto Maravilha, que é uma Operação Urbana Consorciada - OUC criada em 2009 com o objetivo de revitalizar a zona portuária do Rio de Janeiro.
No primeiro artigo apresentamos as características principais da Operação Urbana Porto Maravilha e o histórico da zona portuária do Rio de Janeiro de forma sucinta até a constituição da OUC.
No segundo artigo abordamos a estrutura e engenharia financeira e institucional por trás da OUC, os instrumentos utilizados e suas peculiaridades.
Neste texto vamos repassar o histórico do consumo e da evolução do preço dos CEPAC nos 10 anos que se seguiram ao leilão em lote único e pontuar algumas reflexões a respeito de características e consequências do arranjo financeiro da OUC.
Sumário do artigo
Introdução
A OUC da Região do Porto do Rio de Janeiro – Porto Maravilha foi criada pela Lei Complementar nº 101, de 13 de novembro de 2009, que estabeleceu a Área de Especial Interesse Urbanístico – AEIU do Porto do Rio de Janeiro num perímetro que engloba a totalidade dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, além de parte dos bairros de São Cristóvão, Cidade Nova e centro, com cerca de 5 milhões de metros quadrados. A OUC é executada nos limites desta AEIU, onde os recursos arrecadados com a emissão dos CEPAC devem ser integralmente aplicados a partir do conjunto das intervenções previstas.
Neste texto iremos repassar como foi o mercado dos CEPAC do Porto Maravilha nos 10 anos que se seguiram ao seu leilão, o histórico de “consumo” dos CEPAC pelo mercado imobiliário e a evolução do preço destes certificados.
Enquanto no primeiro artigo trouxemos um histórico sucinto da região portuária do Rio de Janeiro até a constituição da OUC e apresentamos as características principais da Operação Urbana Consorciada e no segundo artigo tratamos do arranjo instituional e financeiro que existe por trás da OUC, os instrumentos utilizados e suas peculiaridades, neste texto vamos iniciar uma discussão dos elementos que estão por trás deste arranjo institucional e financeiro, e as particularidades e consequências deste processo, discussão que irá continuar em artigos subsequentes.
Os CEPAC e a PPP
Conforme já tratamos no segundo artigo desta série, para execução das obras e serviços referentes ao plano de requalificação urbana da OUC Porto Maravilha foi modelada uma Parceria Público Privada - PPP, na modalidade concessão administrativa, válida pelo período de 15 anos renováveis por mais 15 anos no valor, à época, de R$ 7,6 bilhões, a ser pago através dos recursos obtidos no leilão de CEPAC.
Como também vimos no artigo anterior desta série, foram emitidos nos âmbito da OUC Porto Maravilha um total de 6.436.722 CEPAC, que foram leiloados em lote único pelo valor unitário de R$ 545,00 (definido através de um Estudo de Viabilidade Econômica) e valor total de aproximadamente R$ 3,5 bilhões.
Além dos CEPAC, o FIIPM, vencedor do leilão, também adquiriu a opção de compra de um conjunto de terrenos estratégicos no valor total de aproximadamente R$ 0,5 bilhões e a obrigação de pagar um montande adicional, denominado Prêmio da Opção de Compra - POC correspondente à diferença entre o valor total do contrato de PPP e o valor devido a título de CEPAC e imóveis, ou seja, aproximadamente R$ 3,6 bilhões, à época do leilão, de modo que o valor de CEPAC + imóveis + POC correspondem ao custo da PPP, conforme demonstrado do gráfico 01 a seguir, também apresentado no segundo artigo da série.
Como pode ser notado, o valor correspondente aos CEPAC efetivamente adquiridos (e mesmo somando-se ao valor dos imóveis) representa cerca de apenas metade das obrigações financeiras assumidas pelo FIIPM, o vencedor do leilão. Existem algumas razões por trás deste arranjo.
A idéia basica, grosseiramente descrita, é que o FIIPM realizaria operações imobiliárias em conjunto com os agentes do mercado utilizando os CEPAC e os imóveis ao longo do tempo de duração da OUC. Assim, através dos resultados obtidos com estes investimentos e das perspectivas de valorização dos CEPAC ao longo do tempo, o FIIPM poderia arcar com os quase R$ 8 bilhões que a OUC custa.
Os terrenos estratégicos foram inseridos no arranjo porque entendeu-se que a mera perspectiva de valorização do CEPAC não garantiria a remuneração financeira ao vencedor do leilão. Os CEPAC requerem terrenos para que sejam “consumidos” através de novas edificações de que utilizem o potencial construtivo adicional. Uma vez que a maior parte dos terrenos eram públicos, isto não geraria por si só uma demanda para desenvolvimento imobiliário e utilização dos certificados. Era necessário levar ao mercado estes terrenos públicos para que o “futuro” vencedor do leilão (o FIIPM, administrado pela Caixa Econômica Federal, e constituído com recursos do FGTS) se dispusesse a custear toda a OUC. Neste sentido, a vinculação da liberação dos recursos oriundos da venda dos CEPACs à disponibilização de terrenos foi a solução encontrada. Assim, o vencedor do leilão teria controle não apenas sobre todos os CEPAC, mas também sobre os terrenos capazes de abrigar edificações que consumam a maior parte destes CEPAC.
Ao longo de três anos a CDURP disponibilizou, conforme acordado, os terrenos sobre os quais recaíam 60% de todo o potencial construtivo adicional da OUC. O FIIPM detinha a opção de compra destes imóveis, que eram então sempre oferecidos primeiramente ao FIIPM pelo mesmo preço pelo qual foram adquiridos, que não era, todavida, obrigado a comprá-los. É devido a esta opção exclusiva – frente aos demais agentes do mercado – que se justifica conceitualmente a existência de um Prêmio da Opção de Compra - POC, cujo valor passou a ser liberado após a liberação do valor referente ao preço dos CEPAC.
O POC constituiu-se no dispositivo contábil através do qual o FIIPM poderia arcar com toda a operação, apostando que a valorização futura dos CEPAC e o resultado das operações imobiliárias seria capaz de retornar o investimento e ainda remunerar o FGTS (o cotista do FIIPM).
Como também já vimos no artigo anterior desta série, a liberação do valor referente ao POC pelo FIIPM também possuiu condições adicionais. A CDURP deveria disponibilizar ao mercado terrenos com potencial para consumir mais 15% dos CEPAC, o que já foi parcialmente feito.
A cláusula de iliquidez
Além das obrigações e condições estabelecidas para a liberação dos recursos para o pagamento da PPP, muito sucintamente resumidos no segundo artigo desta série e vagamente explicados nos parágrafos anteriores, existe mais um grande elemento adicional neste arranjo: a cláusula de iliquidez.
A cláusula de iliquidez trata-se da cláusula 11.3 do Edital de leilão da Ofera Pública de CEPAC, e diz o seguinte:
11.3 A Coordenadora da OUCPRJ e o Ofertante desde já reconhecem que poderão ocorrer situações de iliquidez que impeçam a realização dos pagamentos devidos pelo Proponente Vencedor, o que, consequentemente, poderá impactar a emissão de uma Ordem Início pela Coordenadora da OUCPRJ (“Situação de Iliquidez”).
11.3.1 O Proponente Vencedor se compromete a notificar, por escrito, o Ofertante com cópia para a Coordenadora da OUCPRJ, com até 30 (trinta) dias de antecedência da data prevista no Cronograma de Desembolsos para a Ordem de Início, a ocorrência de uma Situação de Iliquidez.
11.3.2 O Proponente Vencedor reconhece que, em não tendo encaminhado uma notificação nos termos do item 11.3.1 acima e em já tendo sido expedida, portanto, uma nova Ordem de Início, este não poderá invocar a Situação de Iliquidez.
11.3.3 Caso, em uma Situação de Iliquidez, a Coordenadora da OUCPRJ decida emitir uma Ordem de Início, o Proponente Vencedor não responderá por danos ou prejuízos que venham a ser causados a Coordenadora da OUCPRJ, ao Ofertante e/ou a terceiros em decorrência da emissão da referida Ordem de Início e estará impedido de exercer a Opção de Compra de CEPAC, nos termo do item 12.2.
11.3.4 O disposto neste item 11.3 e subitens não poderá ser aplicado enquanto os valores devidos pelo Proponente Vencedor ao Ofertante, nos termos deste Edital e dos contratos relacionados ao Leilão, até o limite do Aporte, subtraídas deste limite as Despesas da OUCPRJ, não forem efetivamente pagos e/ou comprometidos com o pagamento das Ordens de Início, excetuado o caso em que tais valores não tenham sido totalmente disponibilizados ao Ofertante, nos termos da Cláusula 10 acima, hipótese em que o Proponente Vencedor poderá se valer do disposto neste item 11.3 e subitens.
Em resumo, isto quer dizer que após pagar o montande referente ao preço dos CEPAC (os cerca de R$ 3,5 bilhões), caso o FIIPM (o proponente vencedor) não possua recursos suficientes para arcar com os pagamentos devidos, ele pode declarar situação de iliquidez e simplesmente parar de pagar o valor correspondente às contraprestações da PPP, impedindo que a CDURP (a coordenadora da OUCPRJ) e o FIIRP (o ofertante) emitam novas ordens de início.
Ou seja, a “aposta” do FIIPM de que a valorização futura dos CEPAC e o resultado das operações imobiliárias realizadas com estes e com os terrenos estratégicos seria capaz de retornar todo o investimento, inclusive o valor do POC, e ainda remunerar o FGTS, possuia um “limite de risco”. Caso em dado momento os investimentos do FIIPM não produzissem recursos suficientes para arcar com os compromissos assumidos, sobretudo com o montande adicional do POC, a OUC precisaria esperar.
E isto de fato aconteceu, a expectativa de venda dos CEPAC não atingiu a meta traçada no período de concepção da OUC, o que impactou o equilíbrio econômico e financeiro do FIIPM, que declarou iliquidez desde 2016. .
Nas Demonstrações Financeiras do FIIPM de 2020, na nota explicativa nº 1, o FIIPM “explica-se” da seguinte maneira:
Considerando que a deterioração das condições de mercado vivida nos últimos anos impactou a monetização dos ativos detidos pelo FII PM, em conjunto com o baixo volume de negociação de ativos, vinculação de CEPAC e geração de caixa, o FIIPM declarou, previamente ao início às Etapas 6 em maio de 2016, Etapa 7 em maio de 2018, Etapa 8, em maio de 2019, e Etapa 9, em abril de 2020, estar em Situação de Iliquidez ao Fundo de Investimento Imobiliário da Região do Porto - FIIRP e à CDURP, conforme previsão no Edital do Leilão pelo qual o Fundo adquiriu os CEPAC.
Desde então a Prefeitura, a CDURP, o FIIPM e a Caixa Economica Federal tem travado negociações no sentido de solucionar a questão. As contraprestações foram retomadas e interrompidas novamente mais de uma vez.
Mais recentemente esta questão foi, inclusive, judicializada, conforme descrito no parágrafo seguinte da mesma nota explicativa nº 1 das Demonstrações Financeiras de 2020 do FIIPM:
Além disso, em 30 de abril de 2020 o FIIPM encaminhou à CDURP pleito administrativo visando a revisão dos termos e condições da operação, o qual não fora respondido. Em desdobramento, em maio de 2020, diante da ausência de resposta por parte da CDURP, o FIIPM ajuizou tutela cautelar em caráter antecedente para garantir manutenção dos Túneis de modo a salvaguardar os ativos adquiridos de novos danos que poderiam agravar os desequilíbrios decorrentes de fatos imprevisíveis e os prejuízos causados por atos perpetrados pela CDURP e pelo MRJ, bem como, posteriormente, em julho de 2020, promoveu o aditamento da inicial formulando seus pedidos principais correspondentes ao objeto do pleito administrativo e destinados à revisão da operação e ressarcimento de valores.
Podemos abordar os aspectos políticos e institucionais relativos às modificações e aos termos aditivos ao contrato de PPP e às negociações e disputas judiciais entre os interlocutores da OUC Porto Maravilha, bem como os aspectos relacionados às estratégias de investimento adotadas pelo FIIPM em outro artigo no futuro
O mercado de CEPAC
Neste texto vamos repassar os números do mercado de CEPAC nestes 10 anos depois do leilão e, ao final, formular uma primeira hipótese sobre um dos motivos que pode ter contribuído com o baixo desempenho do FIIPM em negociar os CEPAC neste período.
O consumo dos CEPAC
6.436.722 CEPAC foram emitidos no âmbito da OUC, equivalentes a 4.089.502 m² de potencial adicional construtivo. Um CEPAC é consumido quando ele é utilizado para permitir a aprovação do projeto de um empreendimento imobiliário que utilize uma determinada quantidade de m² de potencial adicional construtivo.
Até o final de 2020 apenas 574.899 CEPAC haviam sido consumidos, o equivalente a 8,93% do total. Este montante representa a utilização de 341.836,41 m² do estoque de potencial adicional construtivo, o equivalente a 8,36% do total.
Na verdade, estes dados representam o mercado de CEPAC entre 2012 e 2017, já que nenhum CEPAC foi consumido em 2018, 2019 e 2020 e nenhum CEPAC foi vinculado a nenhum projeto novo desde 2015, conforme detalhado na tabela 01 e tabela 02 a seguir.
Data | Titular | Uso | Quantidade | % do total |
---|---|---|---|---|
24/10/2012 | Arrakis Empr. Imobiliários S/A | comercial e hotel | 57.273 | 0,89% |
31/01/2013 | Porto 2016 Empr. Imobiliários S/A | residencial com lojas | 68.631 | 1,07% |
10/05/2013 | TS 19 Participações Ltda | comercial | 194.490 | 3,02% |
25/09/2017 | TS 19 Participações Ltda (alteração de projeto / acréscimo de área) | 12.298 | 0,19% | |
22/05/2013 | Uirapuru Participações Ltda | comercial | 58.937 | 0,92% |
29/08/2013 | Autonomy GTIS Barão de Tefé Empr. Ltda | comercial | 66.162 | 1,03% |
20/10/2015 | Autonomy GTIS Barão de Tefé Empr. Ltda (alteração de projeto / acréscimo de área) | 38 | 0,00% | |
12/10/2013 | Odebrecht Realizações Imobiliárias RJ04 EI Ltda | hotel | 8.278 | 0,13% |
11/11/2013 | SPE STX Desenvolvimento Imobiliário S/A | hotel | 4.355 | 0,07% |
05/06/2014 | Edifício Odebrecht RJ S/A | comercial | 18.601 | 0,29% |
10/09/2015 | Edifício Odebrecht RJ S/A (alteração de projeto / acréscimo de área) | 1.668 | 0,03% | |
20/06/2014 | Partifib Projetos Imobiliários F55 Ltda | comercial | 8.738 | 0,14% |
12/03/2015 | TS 22 Participações Ltda (modificado) | residencial com lojas | 35.848 | 0,56% |
29/04/2015 | Barão de Tefé SPE Empr. Imobibiliários S/A | comercial | 39.225 | 0,61% |
29/04/2016 | Barão de Tefé SPE Empr. Imobibiliários S/A (alteração de projeto / acréscimo de área) | 357 | 0,01 | |
Total de CEPAC consumidos | 574.899 | 8,93% | ||
Estoque remanescente de CEPAC | 5.861.823 | 91,07% |
Tabela 01: Estoque de Certificados de Potencial Adicional Construtivo da OUP Porto Maravilha
Data | Titular | Uso | Área adicional total (m²) | % do total |
---|---|---|---|---|
24/10/2012 | Arrakis Empr. Imobiliários S/A | comercial e hotel | 42.277,46 | 1,03% |
31/01/2013 | Porto 2016 Empr. Imobiliários S/A | residencial com lojas | 71.897,52 | 1,76% |
10/05/2013 | TS 19 Participações Ltda | comercial | 97.224,72 | 2,38% |
25/09/2017 | TS 19 Participações Ltda (alteração de projeto / acréscimo de área) | 6.148,92 | 0,15% | |
22/05/2013 | Uirapuru Participações Ltda | comercial | 23.575,05 | 0,58% |
29/08/2013 | Autonomy GTIS Barão de Tefé Empr. Ltda | comercial | 26.464,55 | 0,65% |
20/10/2015 | Autonomy GTIS Barão de Tefé Empr. Ltda (alteração de projeto / acréscimo de área) | 14,99 | 0,00% | |
12/10/2013 | Odebrecht Realizações Imobiliárias RJ04 EI Ltda | hotel | 9.933,54 | 0,24% |
11/11/2013 | SPE STX Desenvolvimento Imobiliário S/A | hotel | 4.158,40 | 0,10% |
05/06/2014 | Edifício Odebrecht RJ S/A | comercial | 11.160,07 | 0,27% |
10/09/2015 | Edifício Odebrecht RJ S/A (alteração de projeto / acréscimo de área) | 1.000,78 | 0,02% | |
20/06/2014 | Partifib Projetos Imobiliários F55 Ltda | comercial | 5.242,58 | 0,13% |
12/03/2015 | TS 22 Participações Ltda (modificado) | residencial com lojas | 26.912,00 | 0,66% |
29/04/2015 | Barão de Tefé SPE Empr. Imobibiliários S/A | comercial | 15.689,78 | 0,38% |
29/04/2016 | Barão de Tefé SPE Empr. Imobibiliários S/A (alteração de projeto / acréscimo de área) | 142,63 | 0,00 | |
Total construído / consumidos | 341.863,41 | 8,36% | ||
Estoque remanescente de de potencial adicional construtivo | 3.747.639,00 | 91,64% |
Tabela 02: Estoque de Certificados de Potencial Adicional Construtivo da OUP Porto Maravilha
Como pode ser observado, a venda dos CEPAC do Porto Maravilha ao mercado imobiliário foi bastante limitada, sobretudo a partir de 2015, e completamente interrompida a partir de então, o que, segundo o FIIPM, se deveu à “deterioração das condições de mercado”.
Mais recentemente, conforme noticiado, depois de quase 6 anos sem nenhum único projeto com consumo de CEPAC aprovado na AEIU do Porto, parece que o ciclo foi interrompido e um projeto, residencial inclusive, consumiu CEPAC novamente. A transação é bastante recente, todavia, os dados da transação e da vinculação ainda não foram disponibilizados nem pela CDURP nem pelo FIIPM, mas deve representar algo em torno de 0,5% a 0,6% do total dos CEPAC. Tomara que isto represente um ponto de inflexão nos rumos do mercado dos CEPAC e, consequentemente, no desenvolvimento do Porto Maravilha.
O preço dos CEPAC
Como já mencionado, os CEPAC foram emitidos e leiloados em 2011 pelo preço unitário de R$ 545,00, valor que foi definido através de um Estudo de Viabilidade Econômica produzido pela empresa Amaral D’Avila Engenharia de Avaliações, que tomou por base a situação do mercado imobiliário do Rio de Janeiro no ano de 2010. Na medida que os CEPAC são ativos financeiros de natureza imobiliária, é natural que a definição de sua viabilidade econômica e de seu preço tome por base a análise do comportamento do mercado imobiliário. E assim foi feito o estudo de determinou o seu preço unitário inicial que contemplou, em linhas gerais, quatro grantes estudos: a viabilidade dos CEPAC, a viabilidade dos empreendimentos imobiliários que utilizassem CEPAC, o estoque de CEPAC em relação à demanda e a demanda em cenários distintos.
Após o leilão em lote único todos os CEPAC passaram a integrar o patrimônio do FIIPM e, como é determinado pelos regulamentos da CVM para os ativos que integrem o patrimônio de um Fundo de Investimentos Imobiliários, o seu preço de referência é informado nas demonstrações financeiras do Fundo.
Os CEPAC que compõem a carteira do FIIPM são atualizados anualmente, a partir de 2012, a fim de refletir o que o FIIPM entendia por valor justo dos CEPAC ao longo do tempo, os valores são atualizados com base na premissa de que “a soma do custo unitário dos certificados deve corresponder ao total das obrigações contraídas junto à Operação Urbana Consorciada” (sic). A partir de 2014 o FIIPM altera o texto e afirma que o valor dos CEPAC passou a ser registrado com base no valor da espectativa de venda dos certificados de acordo com o preço médio dos CEPAC negociados ponderado pelo seu volume. Apenas a partir de 2016 as Demonstrações Financeiras Padronizadas do FIIPM passam a mencionar que “os CEPAC que compoem a carteira do fundo são atualizados anualmente de forma a refletir o seu valor justo, sendo a avaliação feita por empresa especializada independente”.
O valor unitário dos CEPAC conforme registrado das demonstrações financeiras do FIIPM evoluiu da seguinte maneira entre 2011 e 2010:
- 2011: R$ 545,00
- 2012: R$ 1.132,07
- 2013: R$ 1.179,07
- 2014: R$ 1.516,92
- 2015: R$ 1.592,86
- 2016: R$ 1.044,65
- 2017: R$ 1.106,20
- 2018: R$ 1.092,96
- 2019: R$ 860,72
- 2020: R$ 789,37
O CEPAC e o mercado imobiliário
Como podemos observar, o preço de referência dos CEPAC do Porto Maravilha, determinado pelo FIIPM, variou bastante e variou de forma bastante diversa dos preços do mercado imobiliário.
O gráfico 02 demonstra que o preço dos CEPAC se distorceu muito ao longo do tempo em relação aos preços de venda de imóveis na cidade do Rio de Janeiro e também em relação aos custos de construção. Para os dados de custo de construção utilizamos os valores do Custo Unitário Básico - CUB R16-A, divulgado pelo Sinduscon Rio e para os dados de preços de venda de imóveis utilizamos os dados do Índice FipeZap residencial 2 dormitórios e comercial.
Como já mencionamos, o leilão em lote único foi uma peculiaridade da OUC Porto Maravilha, que por um lado permitiu que grande parte do projeto urbano previsto fosse executado independentemente das condições de mercado que se seguiram (quase 88% das obras previstas foram concluídas antes da “interrupção”), mas por outro lado privou a OUC de uma natural parametrização pelo mercado na precificação de seus CEPAC, cujo valor foi determinado de forma praticamente unilateral pelo FIIPM.
O gráfico 02 nos mostra que a evolução do preço dos CEPAC, unilateralmente determinada pelo FIIPM, se distorceu, para cima, em relação aos preços do mercado imobiliário, tomando por referência tanto os custos de construção quanto os preços de venda de imóveis. Observa-se ainda que o ponto de maior distorção corresponde justamente ao ano de 2015, a partir de quando o mercado imobiliário “abandonou” os CEPAC (e o Porto Maravilha). Somente em 2019-2020 a distorção se neutralizaria e o preço dos CEPAC passa a estar “onde se espera que ele deveria estar”, considerando que se trata de um ativo financeiro de natureza imobiliária, cuja variação de preços deveria ser natural que não se distanciasse muito da variação de preços do mercado do qual ele faz parte.
Pode ser uma hipótese plausível que a não utilização da informação transmitida pelo mercado através dos preços (BERTAUD, 2019) para a precificação deste ativo tenha sido um fator determinante na quase inviabilização da utilização dos CEPAC pelo mercado imobiliário e na subsequente condição de iliquidez que eventualmente travou a engenharia financeira da OUC, interrompendo a execução do projeto urbano.
É apenas uma possibilidade e, se for o caso, um dentre outros fatores que contribuiu com o desempenho de mercado dos CEPAC, o que podemos explorar de forma mais detida em textos futuros.
Conclusão
Neste texto discutimos alguns elementos por trás do arranjo financeiro e institucional da OUC Porto Maravilha, repassamos os números do mercado dos CEPAC nos 10 anos que se seguiram ao seu leilão, o histórico de “consumo” dos CEPAC pelo mercado imobiliário e a evolução do preço destes certificados.
Em textos subsequentes desta série abordaremos de forma mais detida outros aspectos deste complexo projeto ainda em curso, tais como: as estratégias adotadas pelo FIIPM, pela CDURP e pela prefeitura; características do projeto urbano da OUC e das intervenções planejadas e realizadas; além de análises e reflexões sob diferentes prismas.
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Principais referências
-
BERTAUD, Alain. Order without Design: How markets shape cities. Cambridge: MIT Press, 2019;
-
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
-
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2018;
-
OLBERTZ, Karlin. Operação urbana consorciada. Belo Horizonte: Fórum, 2010;
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