Operações Urbanas Consorciadas são um dos mais sofisticados instrumentos de política urbana disponíveis no aparato legislativo brasileiro

Este é o terceiro artigo da série sobre os instrumentos de política urbana, cujo objetivo é explorar o papel que estes instrumentos ocupam na interface entre o planejamento urbano público e o mercado imobiliário.

O primeiro artigo da série fez uma introdução conceitual e a apresentação resumida dos dez instrumentos detalhados no Estatuto da Cidade.

No segundo artigo da série tratamos da Outorga Onerosa do Direito de Construir - OODC.

Neste texto vamos abordar as Operações Urbanas Consorciadas - OUC, que é um instituto jurídico-político que de pretende orientado à transformação urbanística estrutural, à valorização ambiental e à promoção de melhorias sociais numa determinada área urbana.

Instrumentos de política urbana: O que são Operações Urbanas Consorciadas?

Sumário do artigo

Introdução

Operação Urbana Consorciada - OUC é um instrumento de política urbana instituído nos artigos 32, 33, 34 e 34-A do Estatuto da cidade (L 10.257/2001), ainda que não seja um instrumento de política urbana exatamente novo, dado que práticas semelhantes em moldes diferentes já haviam sido experiementadas antes. Tratam-se intervenções “pontuais” (ainda que eventualmente extensas) realizadas sob a coordenação do Poder Público e envolvendo a iniciativa privada, os moradores e os usuários do local, conforme Olbertz (2010):

“(…) operação urbana consorciada é um empreendimento urbano, capitaneado pelo poder público municipal e desenvolvido em parceria com a sociedade civil, financiado no todo ou em parte pelas contrapartidas decorrentes da execução de um plano urbanístico flexível, e traduzido num procedimento urbanístico orientado cumulativamente à transformação urbanística estrutural, à valorização ambiental e à promoção de melhorias sociais numa determinada área do espaço habitável (…)”

Uma Operação Urbana Consorciada - OUC é um exemplo paradigmático de uma parceria entre o Poder Público e o setor privado. No artigo 32 §1º do Estatuto da Cidade são estabelecidos os participantes da OUC, tendo o poder Poder Público Municipal como coordenador e entidades do setor privado como participantes, em certo sentido “legitimando” uma parceria entre o Poder Público (Municipal) e o Particular.

O conceito de Operação Urbana Consorciada dado pelo Estatuto da cidade (L 10.257/2001) é de um:

“(…) conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.”

Intervenções são obras públicas, provisão de infraestrutura e equipamentos sociais a serem implantados no território, ao passo que as medidas são as normas e regulamentos que definem parâmetros para o uso e ocupação do solo com o intuito de orientar o desenvolvimento urbano na área.

Contextualização histórica

As Operações Urbanas Consorciadas surgiram no Brasil nos anos 1980 como instrumento urbanístico com o intuito de promover a renovação de determinada área da cidade em parceria com investidores e proprietários, em uma época de pouca atividade econômica e baixa arrecadação das prefeituras.

O modelo inicial do que viriam a ser Operações Urbanas Consorciadas, previstas no Estatuto da Cidade a partir de 2001, surgiu na cidade de São Paulo. Foram baseadas em experiências ocorridas no Canadá e Estados Unidos, e começaram a ser experimentadas na capital paulista ainda durante a gestão do prefeito Jânio Quadros.

Pode-se dizer que o embrião do conceito de Operação Urbana Consorciada foi a Lei nº 10.209/1986, a Lei das Operações Interligadas, aprovada em 1986 pela Prefeitura de São Paulo, que tinha a intenção de aproveitar o dinamismo da iniciativa privada e incentivar a construção de habitações de interesse social, também foi conhecida como “Lei do Desfavelamento”. O estímulo vinha da concessão de índices construtivos acima dos permitidos pela legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo.

Naquele momento, as negociações de contrapartidas em casos que atingiam índice máximo de construção eram feitas individualmente e caso a caso, através de métodos de avaliação do “terreno virtual”, que seria obtido com as intervenções, eram determinados os valores de contrapartidas que seriam pagos ao município, a fim de se adquirir um direito adicional de construção. Isso sempre limitado ao que estava presente na lei. Era o conceito de “solo criado” ou Outorga Onerosa do Direito de Construir aplicado a um perímetro específico segundo um projeto ou programa específico formulado em conjunto entre o poder público, investidores e proprietários, que é o embrião do conceito.

As Operações Urbanas Consorciadas não surgem, portanto, com o Estatuto da Cidade, só em São Paulo pelo menos quatro Operações em moldes bastante precidos com conceito atual de Operação Urbana Consorciada já haviam sido propostas antes da aprovação da L 10.257/2001. Todavia, diante de críticas relacionadas principalmente à Operação Urbana Faria Lima, o Estatuto da Cidade acabou por conferir maior legitimidade ao instrumento e estabelecer regras de funcionamento mais transparentes e democráticas. A Constituição de 1988 estabelecia que as Operações Urbanas tinham de ser “baseadas no plano diretor”, o que não aconteceu com a OUC Faria Lima, e o Estatuto da Cidade reforçou essa condição, no sentido de garantir alguma coerência entre uma ação pontual e as demais ações públicas municipais.

A Operação Urbana Faria Lima, ainda chamada de Operação Urbana Interligada, foi criada pela Lei n°. 11.732, de 14 de março de 1995. Na sequência e seguindo modelo parecido vieram a Operação Água Branca, instituída pela Lei n°. 11.774/95 e a Operação Centro, regulada pela Lei n°. 12.349/97, todas de São Paulo.

Nestas primeiras operações paulistanas os valores eram avaliados pela Secretaria de Planejamento, Tribunal de Contas do Município e Ministério Público. Os órgãos acompanhavam todas as negociações e aprovavam a quantia que deveria ser paga pelo interessado em obter o aumento no potencial de construção.

Esta lógica foi modificada com o advento do Estatuto da Cidade, que previu a possibilidade de emissão de Certificados de Potencial Adicional Construtivo - CEPAC, e permitiu que as Operações Urbanas Consorciadas atingissem sua configuração atual. Os CEPAC são títulos de valores mobiliários emitidos pelo município e regulados e autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Os CEPAC constituem uma espécie de “securitização” do potencial construtivo que é detido pelo município e “alienável” através do instrumento de Outorga Onerosa do Direito de Construir. Através da emissão e alienação dos CEPAC o município pode antecipar recursos que serão utilizados no consumo do potencial construtivo e assim pode planejar melhor as intervenções previstas no plano da operação urbana.

Requisitos mínimos de uma OUC

O art. 32 do Estatuto da Cidade delega a lei municipal específica, baseada no plano diretor, a delimitação da área da Operação Urbana Consorciada. Dessa forma, é preciso que seja aprovada uma lei específica no âmbito municipal contendo uma série de requisitos para que uma OUC seja criada.

Além de lei específica para a ordenação da operação urbana, a legislação também vincula a Operação Urbana a ser criada ao plano diretor do município. De forma que não é cabível uma OUC que não seja instituída por lei específica e também é impossível sua aplicação ou elaboração se não for baseada no plano diretor.

A legislação lista ainda oito requisitos mínimos que devem constar na lei que aprovar a Operação. São os seguintes:

  • Definição da área a ser atingida;
  • Programa básico de ocupação da área;
  • Programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação;
  • Finalidades da operação;
  • Estudo prévio de impacto de vizinhança;
  • Contrapartidas a serem exigidas dos proprietários, usuários permanentes e investidores;
  • Forma de controle da operação;
  • Natureza dos benefícios a serem concedidos aos proprietários.

Definição da área

Toda Operação Urbana Consorciada deve definir claramente qual a sua área de alcance. Esta exigência é particularmente importante na medida em que todos os recursos obtidos pelo Poder Público municipal através das contrapartidas pagas pelos interessados na operação, somente poderão ser utilizados neste perímetro delimitado.

Programa básico de ocupação

O programa básico de ocupação da área consiste na definição da ocupação futura em termos de usos e atividades e sua distribuição no novo desenho a ser proposto para a área.

O “desenho” que será proposto para a nova configuração desse espaço será determinante para definir qual segmento de mercado será atraído ou não para ocupação da área. Se for priorizado, por exemplo, o remembramento de lotes, a Operação estará destinando a área para empreendimentos de maior porte, eventualmente excluindo os segmentos de mercado de menor renda, e assim por diante.

Neste sentido, mesmo escolhas que sejam aparentemente formais na configuração da área precisam ser definidas e analisadas com critério, uma vez que influenciarão de forma determinante o interesse do mercado imobiliário e o consequente desenvolvimento da área.

Programa de atendimento econômico e social da população diretamente afetada

A previsão deste programa de atendimento denota uma preocupação do legislador com a população que será afetada diretamente pela operação. Toda intervenção urbanística, minimamente organizada, e que produza algum efeito positivo na área afetada, produzirá uma valorização imobiliária. Neste sentido, esse programa de atendimento à população diretamente afetada tem a intenção de oferecer suporte às pessoas que eventualmente sofrerão com a valorização imobiliária e, no extremo, podem vir a ser “expulsas”, seja através de desapropriações, seja indiretamente através da eventual inviabilidade da manutenção de determinadas atividades ecnonômicas ou manutenção de determinados segmentos da população na área reconfigurada.

Desta forma, cabe ao Poder Público municipal prever a aplicação de instrumentos urbanísticos que assegurem, tanto quanto possível, a permanência de população de baixa renda na área da intervenção.

O programa de atendimento social e econômico poderá determinar, por exemplo, a construção de habitações de interesse social para atendimento da população de favelas, ou a concessão de direito real de uso, ou de uso especial para fins de moradia, dentre outras soluções e instrumentos de polícita urbana.

Finalidades da operação

A definição das finalidades da operação também devem constar explicitamente na lei que aprovar a operação urbana consorciada. Esta exigência é importante na medida em que é nelas que os investidores, moradores, proprietários e interessados poderão se basear para investir ou não na operação, ou para preparar-se para seus efeitos.

As metas e finalidades previstas não devem - ou não deveriam - ser genéricas ou abstratas, de modo que não seja possível, ao final da operação, verificar se de fato os objetivos foram cumpridos.

Este tipo de análise é muito importante, sobretudo considerando que a operação sofrerá - ou deverá sofrer - controle com representação da sociedade civil. Toda meta, objetivo ou finalidade específica deverá ter como base o atendimento de transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental, pois são estas as finalidades originais de toda Operação Urbana Consorciada.

Estudo prévio de impacto de vizinhança

O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV é um dos instrumentos da política urbana contidos no Capítulo II do Estatuto da Cidade.

O art. 37 do Estatuto da Cidade prevê que o EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

  • Adensamento populacional;
  • Equipamentos urbanos e comunitários;
  • Uso e ocupação do solo;
  • Valorização imobiliária;
  • Geração de tráfego e demanda por transporte público;
  • Ventilação e iluminação;
  • Paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Neste sentido, o objetivo de se fazer um EIV é averiguar quais serão os impactos, positivos ou negativos, que uma ação produzirá em sua vizinhança e arredores.

A legislação também prevê a necessidade de se dar publicidade ao EIV, cujos documentos devem estar disponíveis a qualquer interessado. A publicidade é importante, uma vez que se os interessados na OUC vislumbrarem qualquer malefício ou prejuízo potencial em sua instituição, eles poderão, no exercício de sua participação na gestão da cidade, questionar a operação.

O EIV poderá constituir embasamento técnico necessário para a devida modificação da operação caso seus moradores entendam que seus efeitos podem ser mais negativos do que positivos.

O legislador não exigiu, todavia, o Estudo de Impacto Ambiental - EIA, outro importante instrumento de política urbana previsto pelo Esttudo da Cidade.

Alguns estudiosos do tema, no entanto, entendem como necessária a realização desse estudo de acordo com, pelo menos, duas razões jurídicas:

  • O Estatuto da Cidade dispõe que, na realização das OUC, as medidas de flexibilização de índices urbanísticos devem considerar o impacto ambiental dela decorrentes e, como essa flexibilização é o principal mecanismo disponível às operações urbanas consorciadas, em geral, seria necessário esse tipo de estudo para a legitimação da operação;
  • Em virtude da Resolução nº 01/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, que condiciona o licenciamento de “projetos urbanísticos acima de 100 hectares” à elaboração de EIA, de modo que qualquer operação que supere a área de 1 km² deve elaborar o EIA.

Neste sentido, embora não seja uma exigência explícita no Estatuto da Cidade, para que uma OUC seja viável, o EIV sempre será necessário, ao lado, pelo menos na maior parte dos casos, do EIA.

Contrapartidas

As contrapartidas a serem exigidas dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do § 2º do art. 32 do Estatuto da Cidade é outra exigência legal para a lei que instituir uma OUC, de modo que os proprietários e investidores que estiverem interessados em utilizar os benefícios, sobretudo os benefícios relacionados aos novos índices urbanísticos e normas edilícias, deverão arcar com determinadas contrapartidas. Essas contrapartidas servirão para financiar a reurbanização da área objeto da operação e possibilitar a recuperação dosinvestimentos do Poder Público que resultem em valorização de imóveis urbanos.

Estas contrapartidas não terão, necessariamente, caráter pecuniário. Assim, cada um dos diferentes agentes (proprietários, investidores e usuários permanentes) poderão oferecer a sua contrapartida de forma proporcional e compatível com seus recursos e benefícios.

Na maior parte das Operações Urbanas posteriores ao Estatuto da Cidade, os municípios têm optado pela emissão e alienação de Certificados de Potencial Adicional Construtivo - CEPAC como meio de contrapartida dos interessados pela utilização dos benefícios urbanísticos, a respeito dos quais trataremos adiante.

Natureza dos incentivos

A Lei nº 12.836, de 2 de julho de 2013, introduziu mais um aspecto necessário à lei que aprovar o plano de uma operação urbana consorciada, a “natureza dos incentivos a serem concedidos aos proprietários, usuários permanentes e investidores privados, uma vez atendido o disposto no inciso II do § 2º do art. 32 desta Lei.”.

Essa exigência tornou-se necessária, uma vez que a mesma lei também inseriu o inciso III ao § 2º do art. 32 do Estatuto da Cidade prevendo a concessão de incentivos para operações urbanas que comprovem a utilização de tecnologias que visem à redução de impactos ambiental.

Desta forma, a lei que aprovar o plano da operação consorciada precisa prever os incentivos que moradores, investidores privados e proprietários poderão adquirir caso utilizem esse tipo de tecnologia.

A ideia de incentivos é a base de uma OUC, pois é através desses benefícios que será possível ao Poder Público municipal obter as contrapartidas e, consequentemente, permitir a captura da valorização imobiliária decorrentes das intervenções, bem como o financiamento da urbanização ou da realização de obras na área.

Formas de controle

O Estatuto da Cidade também determina que conste no plano da operação a “forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil”.

A participação da população não deve englobar somente a fase da execução urbanística, mas toda a sua elaboração e implementação. Essa participação deve - ou deveria - ser efetiva, não apenas simbólica ou protocolar, sob pena de se transformar em mera ferramenta de grupos econômicos interessados na alteração dos índices urbanísticos vigentes.

A Administração precisa dar ampla publicidade às audiências e consultas públicas, com antecedência necessária à preparação dos participantes. Uma vez instituída a operação, sua gestão deve ser submetida ao controle compartilhado, ou seja, os órgãos responsáveis pela fiscalização da operação devem conter representantes da Administração e da sociedade civil, cabendo a esses órgãos acompanharem o planejamento, instituição, execução e alcance dos objetivos da OUC.

Instrumentos e ferramentas de uma OUC

Os meios através dos quais uma Operação Urbana Consorciada será desenvolvida são as ferramentas que serão utilizadas pelo Poder Público municipal para alterar urbanisticamente a área delimitada para a operação.

Os principais instrumentos a serem utilizados são aqueles listado no § 2º do art. 32 do Estatuto da Cidade:

  • A modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;
  • A regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente;
  • A concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas.

Modificação das características de parcelamento do solo

Em uma Operação Urbana Consorciada, os índices e características de parcelamento do solo poderão ser modificados na área específica da operação.

Por exemplo, em uma cidade o plano diretor municipal pode ter definido para determinada área que somente pode haver o desmembramento da área habitável e, portanto, não é possível a abertura de novas vias e logradouros públicos. Com a instituição de uma OUC as características de parcelamento urbano naquela área específica podem ser modificadas, mediante contrapartida e considerando seu impacto ambiental, a fim de permitir o seu loteamento e, consequentemente, a abertura de novas ruas ou a ampliação das existentes.

Modificação de índices de uso e ocupação do solo

A gestão dos índices de uso e a ocupação do solo configuram alguns dos instrumentos mais dinâmicos e úteis na organização do espaço urbano, permitindo-se obter uma configuração urbana adequada à densidade populacional e ao conforto necessário para os grandes aglomerados urbanos.

Estes instrumentos são utilizados para controlar o uso da terra, as densidades de população, a localização, a dimensão, o volume dos edifícios e seus usos específicos, em prol do bem-estar geral da população.

O controle da ocupação do solo é instrumentalizado através da definição de índices como taxa de ocupação do solo, coeficiente de aproveitamento, dentre outros.

A taxa de ocupação estabelece a porção da superfície de um terreno que será edificável e, consequentemente, a área de terreno que será ocupada pela edificação. É uma porcentagem. Por exemplo, para um terreno de 1000 m² e uma taxa de ocupação máxima de 50% - ou 0,5 - a superfície edificável será de 500 m².

O coeficiente de aproveitamento do solo, por outro lado, define a área de edificação que pode ser construída na superfície edificável de determinado terreno. É um multiplicador. Por exemplo, para um terreno de 1000 m² e com Coeficiente de Aproveitamento de 2 a área de edificação máxima será de 2000 m².

Com a instituição de uma OUC estes índices podem ser alterados, em geral ampliados, mediante contrapartida. Por exemplo, para o mesmo terreno do exemplo hipotético acima pode ser estabelecido um Coeficiente de Aproveitamento Máximo de 4, o que permitiria edificar 4000 m², e a contrapartida seria cobrada sobre os 2000 m² excendentes. A lei que cria a OUC também poderia reduzir o Coeficiente de Aproveitamento Básico para 1, além de definir o Coeficiente de Aproveitmento Máximo de 4, e neste caso a área excedente e passível de contrapartida seria de 3000 m². As possibilidades são amplas, a lógica é esta.

Os CEPAC são um dos meios através dos quais os investidores, proprietários e interessados poderiam adquirir o direito de construir além dos padrões estabelecidos pela lei de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a OUC.

Uma OUC também pode modificar as características de uso do solo, transformando, por exemplo, uma área que a princípio foi planejada para uso residencial em uma área de uso comercial ou misto. É possibilidade é muito atrativa, pois pode-se valorizar uma área antes era degradada através da instituição de novas características para o uso do solo.

Alteração das normas edilícias

A lei que aprovar a OUC poderá alterar também as normas edilícias anteriormente definidas para o perímetro. Uma OUC poderá prever novos recuos, alinhamentos, nivelamentos, gabaritos de altura, espaços não edificáveis, dentre outros parâmetros.

Regularização de construções em desacordo com a legislação

O art. 32, § 2º, III, do Estatuto da Cidade também prevê a permissão municipal que visa à convalidação de situações jurídicas irregulares, ou seja, pode-se prever a regularização de construções, reformas e ampliações de imóveis localizados na área de intervenção, com parâmetros diferenciados fixados pelo código de obras e edificações local, o que também pode ser feito mediante contrapartidas a serem pagas pelos beneficiários dessas regularizações. Conforme Olbertz (2010) exemplifica:

Assim, suponha-se uma situação de assentamento irregular, verificado em terreno privado, cuja posse o proprietário deseja retomar. Como alternativa para o caso, é possível prever, numa operação urbana consorciada, a viabilidade jurídica da transferência da propriedade do terreno ao poder público, mediante recebimento de benefício pelo particular, consistente no direito de criar solo em outra localização. Por fim, e realizada a transferência, é cabível que o poder público utilize mecanismos como a outorga de direito de superfície ou de concessão de uso, inclusive mediante pagamento de contrapartida, a fim de regularizar a titulação dos moradores.

Concessão de incentivos relaticos à utilização de tecnologias para redução de impactos ambientais

Estes incentivos tem o objetivo de beneficiar os proprietários e investidores que utilizarem na construção de suas edificações tecnologias que reduzam o impacto ambiental e economizem recursos naturais.

A lei da operação poderá prever a outorga de potencial adicional de construção ou alteração de uso (ou a regularização de edifícios e reformas) ao proprietário que utilizar em seu imóvel técnicas construtivas que economizem energia elétrica ou diminuam o gasto com o fornecimento de água.

A lei que instituir a operação deve oferecer parâmetro claros e seguros a respeito da relação benefícios/contrapartidas, de modo que o interessado em participar da OUC saiba a quantidade de potencial adicional construtivo, por exemplo, que será obtido a partir do uso de padrões construtivos que permitam reduzir o impacto ambiental do empreendimento.

CEPAC

Os Certificados de Potencial Adicional Construtivo são instituídos no arbabouço legislativo brasileiro através do art. 34 do Estatuto da Cidade:

Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

§1º Os certificados de potencial adicional de construção serão livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação.

§2º Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a operação urbana consorciada.

Na prática, principal meio de financiamento das obras e instevenções planejadas para a Operação Urbana Consorciada se dará por meio da emissão e alienação de CEPACs.

O CEPAC é um título mobiliário negociável que representa o direito de consumir uma determinada quantidade de potencial adicional de construção, outorgado pelo município, é como se fossem a “moeda” com a qual o potencial construtivo é adquirido através dos instrumentos derivados do solo criado. Quem obter uma determinada quantidade desses certificados poderá construir além dos limites estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo até o limite especificado pela lei que aprovar a OUC, ou seja, é uma espécie negociação do solo criado.

Conforme já mencionamos antes, o solo criado adentrou no ordenamento jurídico brasileiro através da criação dos instrumentos de política urbana chamados de Outorga Onerosa do Direito de Construir e Transferência do Direito de Construir.

Grosso modo os CEPAC constituem uma espécie de “securitização” do potencial construtivo que é detido pelo município e “alienável” através do instrumento de Outorga Onerosa do Direito de Construir. Através da emissão e leilão dos CEPAC o município pode antecipar recursos que serão utilizados no consumo do potencial construtivo e assim pode planejar melhor as intervenções previstas no plano da operação urbana.

Desta forma, uma particularidade do instrumento da Outorga Onerosa no contexto das Operações Urbanas Consociadas com a utilização de CEPAC é o fato de que o potencial adicional construtivo emitido não está previamente vinculado a um ou outro lote, mas constitui um título mobiliário, de modo que o interessado em adquirir esse benefício poderá comprá-lo na forma de título, derivado de securitização do estoque de solo criado.

Conceito

A permissão de emissão e alienação de CEPACs com a finalidade específica de financiar as obras necessárias à implementação da operação urbana consorciada foi uma das mais importantes inovações do Estatuto da Cidade.

Esta criação foi particularmente importante devido à inviabilidade da criação de novos tributos ou a majoração dos existentes para a realização de obras de urbanização e do fato de que os mais beneficiados pelas intervenções públicas constituíam uma pequena parcela dos particulares residentes na área da intervenção, embora essas intervenções fossem financiadas por toda a coletividade.

Neste cenário de necessidade da criação de novas formas de obtenção de recursos públicos para o financiamento de obras públicas o CEPAC se tornou uma alternativa viável para o financiamento da cidade e, ao mesmo tempo, para capturação de parte da valorização imobiliária.

Os CEPAC possuem três características que os tornam particularmente úteis:

  • Cartularização / securitização;
  • Negociabilidade;
  • Possibilidade de alienação.

A cartularização - ou securitização - refere-se ao mecanismo que corporificar um direito em um documento cartular, denominado como título. A sua negociabilidade está condicionada à cartularização/securitização, pois confere autenticidade e garante a possibilidade de transferência de direitos. Por fim, a possibilidade de alienação em leilão permite configurar o CEPAC como valor mobiliário, uma vez que a sua alienação pública admite a definição do seu preço pelo mercado.

A principal vantagem deste mecanismo é permitir à Administração Pública levantar recursos antes de haver qualquer valorização ou mesmo de executar as intervenções. O particular que adquirir o título mobiliário assume os riscos inerentes à operação, uma vez que os valores desembolsados pelos particulares podem não corresponder à efetiva valorização da área.

Por outro lado, o particular poderá utilizar os certificados tanto para a construção de empreendimentos como poderá vislumbrar o lucro com a revenda dos títulos em decorrência da posterior valorização da área.

A instituição de uma operação urbana consorciada não precisa ser necessariamente autofinanciável. O município poderá emitir CEPACs para recuperar parte dos valores investidos nas intervenções, mas também poderá financiar com recursos próprios determinadas obras da operação, de modo que o valor arrecadado pelos CEPAC não precisa ser usado necessariamente para cobrir todos os investimentos da OUC. O município pode utilizar recursos próprios para a construção, por exemplo, de habitações populares para as populações afetadas pela operação.

Utilização

O detentor dos certificados deverá apresentar seu projeto de construção e, depois de apresentado, o município irá apreciar a conformidade do projeto de acordo com os limites fixados pela lei que aprovar a operação urbana consorciada.

Uma vez aprovado o pedido de construção, os CEPAC serão utilizados como meio pagamento pela área que será construída além dos limites estabelecidos pelo plano diretor.

O titular dos CEPAC poderá exercer esse direito quando julgar conveniente - dentro do período de validade dos CEPAC - e poderá negociá-lo com terceiros, mas o seu exercício efetivo é condicionado à apresentação do pedido de licença para construir em um determinado terreno.

Leilão

A venda dos CEPAC emitidos pelo município acontece através de leilões públicos, anunciados previamente. Nesses eventos, é colocada determinada quantidade de títulos à venda, e o valor mínimo é definido por agentes financeiros ou mediante estudo de viabilidade financeira.

Nas Operações Urbanas Consorciadas paulistanas os CEPAC têm sido leiloados paulatinamente, de acordo com a demanda, o que pode-se dizer que seria a dinâmica padrão de alienação de CEPAC em uma OUC.

A OUC Porto Maravilha, em curso desde 2009 no Rio de Janeiro, por outro lado, apresentou uma mudança nesta lógica e, a partir de uma espécie de acordo com Caixa Econômica Federal, todos os 6.436.722 CEPAC, equivalentes ao estoque total de 4.089.502 m² de potencial adicional construtivo, foram leiloados em lote único, e arrematados pelo Fundo de Investimentos Imobiliários Porto Maravilha - FIIPM, administrado pela Caixa Econômica Federal, e constituído com recursos vindos do FGTS.

Esta peculiaridade permitiu ao município do Rio de Janeiro ter seu caixa rapidamente preparado para dar início à execução das obras, mas por outro lado concentrou os CEPAC nas mãos de um único ente, criando uma dependência importante. Em artigo futuro podemos tratar especificamente da Operação Urbana Porto Maravilha e de suas especificidades e particularidades. Assine nossa newsletter para ser notificado da publicação de novos artigos.

Instrução CVM 401

A Instrução CVM 401, de 29 de dezembro de 2003, dispõe sobre os registros de negociação e de distribuição pública de Certificados de Potencial Adicional de Construção – CEPAC, tendo recebido alterações introduzidas pelas instruções CVM 550/2014 e 609/2019. Adiante, resumimos os principais elementos da Instrução.

A ICVM 401 determina que enhum CEPAC poderá ser ofertado no mercado sem prévio registro na CVM da Operação a que estiver vinculado, e que o pedido de registro da Operação será formulado pelo Município emissor dos CEPAC.

Para a atualização das informações durante o período de validade do registro da Operação, o Município deverá:

  • Enviar à CVM, trimestralmente, os seguintes relatórios:
    • Relatório informando o andamento da Operação;
    • Relatório da instituição fiscalizadora;
    • Discriminação da quantidade de CEPAC utilizados;
  • Comunicar imediatamente à CVM e ao mercado a existência de estudos, projetos de lei ou quaisquer iniciativas que possam modificar o plano diretor ou aspectos da Operação;
  • Divulgar, ampla e imediatamente, qualquer ato ou fato relevante relativo às operações dos CEPAC.

O Município deverá contratar instituição integrante do sistema de distribuição registrada na CVM para exercer a função de fiscalizar o emprego dos recursos obtidos com a distribuição pública de CEPAC.

Conclusão

Neste artigo apresentamos os princípios básicos que deram origem e regem o funcionamento das Operações Urbanas Consorciadas.

É importante perceber que os instrumentos de política urbana podem e devem ser utilizados para gerir o espaço urbano e são imprescindíveis para a construção de uma cidade sustentável. A Operação Urbana Consorcdiada é um destes instrumentos, um dos mais interessantes, complexos, sofisticados e polêmicos.

Em textos subsequentes, além de abordarmos outros instrumentos de política urbana, também trataremos de exemplos práticos de Operações Urbanas Consorciadas, casos específicos e particularidades.

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Principais referências