O plano urbano Reviver Centro tem o objetivo de estimular a recuperação social, econômica e urbanística do Centro do Rio
A prefeitura do Rio de Janeiro anunciou neste início de terceiro mandato do prefeito Eduardo Paes um plano urbano intitulado Reviver Centro. O objetivo concreto é que a recuperação social, econômica e urbanística pretendidas aconteçam através da atração de novos moradores para a região central da cidade, um perímetro de 5,72 km².
Segundo a prefeitura, as diretrizes para a renovação planejada consistirão em um conjunto de decretos e um projeto de lei, que deve ser enviado à câmara de vereadores ainda neste mês de fevereiro de 2021.
Antes de iniciar a discussão na câmara, a prefeitura indicou a intenção louvável de “ouvir a população” a respeito do projeto, e anunciou o lançamento de uma plataforma digital interativa e colaborativa para que moradores, comerciantes, trabalhadores da região e pessoas interessadas deem sua contribuição. Através desta plataforma foi lançada uma pesquisa na última semana que, até o momento em que escrevo isto, já tinha pouco mais de 4.700 participantes.
Neste artigo inicio uma série sobre o projeto Reviver Centro e desenvolvo um pouco as minhas próprias respostas às questões da pesquisa lançada através da plataforma, porque achei relevante, e pode servir como um registro, nem que seja para mim mesmo no futuro.
Sumário do artigo
Introdução
A espinha dorsal do plano Reviver Centro é a construção de novas moradias e o retrofit de antigas construções convertendo-as para uso residencial ou misto, aproveitando o acervo de área construída e terrenos vazios e sem uso há décadas. A prefeitura pretende conseguir isso através de um conjunto de benefícios fiscais e edilícios, da permissão de novos usos, e também pela concessão de benefícios a empreendedores que participem do programa de locação social que será lançado, tendo como público-alvo estudantes universitários, cotistas e servidores públicos.
O plano também pretende incorporar um novo edital Pró-Apac, que é um projeto que oferece benefícios financeiros aos donos de imóveis históricos interessados em sua recuperação.
As diretrizes do plano também devem incentivar a exploração do térreo dos prédios com lojas, com objetivo de trazer vitalidade e movimento às ruas da região e de alguma forma também pretende propor o aproveitamento das coberturas dos prédios com áreas de uso coletivo, com mirantes, restaurantes ou áreas de lazer, no que batizaram de “Telhados Cariocas”.
O secretário municipal de planejamento urbano, Washington Fajardo, que trabalha no desenvolvimento do conjunto de ações, fala do centro do Rio como uma cidade de 5 minutos, uma vez que saindo do metrô, trem ou vlt podemos chegar a restaurantes, museus e comércio numa caminhada de 5 minutos, e que este território de cinco minutos é fantástico para moradia.
Pretendo abordar diferentes aspectos do plano Reviver Centro aqui no blog Inteligência Urbana, conforme novas informações forem sendo reveladas, o projeto for enviado de fato à câmara e as medidas sejam implantadas. Se tiver interesse, acompanhe.
Neste momento, vou abordar sucintamente a pesquisa lançada na semana anterior na “plataforma de escuta e consulta pública”, e apresentar as minhas respostas, de uma forma um pouco mais desenvolvida do que o limite de caracteres da pesquisa permite.
A Plataforma
A página da pesquisa lançada nesta última semana utiliza a plataforma ArcGIS Hub, da ESRI. A página inicial apresenta alguns textos informativos e de chamada e, logo abaixo, um mapa interativo com os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Lapa e Centro destacados, que correspondem à 2ª Região Administrativa (Figura 1).
Não é possível ter certeza se é apenas limitação do mapa, mas aparentemente o plano deixará de fora a Cidade Nova, cujo perfil talvez fosse condizente com as diretrizes do plano, e também os trechos dos bairros São Cristóvão e Caju que integram a Área de Especial Interesse Urbanístico - AEIU do Porto, cuja operação urbana em curso tem caráter evidentemente complementar ao plano Reviver Centro, e vice-versa.
O menu lateral dá acesso a quatro subdiretórios: eventos, dados, documentos e aplicativos & mapas. As páginas eventos e documentos estão vazias, por enquanto, e as páginas dados e aplicativos & mapas dão acesso a conjuntos de dados (datasets), que aparentemente alimentam os mapas interativos da plataforma e estão disponíveis para utilização via API ou download.
O link de acesso à pesquisa em si está no meio da página, antes de outro mapa interativo e de outro texto informativo.
A Pesquisa
A pesquisa é bastante curta e direta, são 8 perguntas, partindo da primeira: Você gostaria de morar na área central do Rio? No meu caso, já moro na área central.
Prioridades
A segunda questão pede para colocar em ordem de prioridade 9 temas passíveis de receberem investimentos no sentido de tornar o centro do Rio mais atrativo para moradia. Eu ordenei da seguinte maneira:
- Qualidade ambiental
- Segurança
- Comércio
- Outros serviços
- Mobilidade / Acessibilidade
- Transporte público
- Serviços de saúde e educação
- Serviços de esporte e lazer
- Serviços de cultura
A terceira questão pede para avaliar a oferta de 6 tipos de serviços no centro, atribuindo estrelas, de zero a cinco. Os serviços correspondem aos temas da questão anterior, com exceção de qualidade ambiental, segurança e mobilidade/acessibilidade.
Vou usar alguns parágrafos para explicar um pouco a ordem de prioridades que estabeleci para os temas (e também já coloco as estrelinhas que atribuí, quando for o caso).
Qualidade ambiental
Qualidade ambiental (urbana) está em primeiro lugar porque estou interpretando o termo em sua acepção ampla - e imagino que os criadores do plano também - a qual “envolve uma série de questões de cunho subjetivo, político e ético” e está muito relacionada aos conceitos de ecossistema urbano e qualidade de vida (RIBEIRO; VARGAS, 2014).
O conceito de qualidade ambiental urbana engloba componentes nas dimensões espacial, biológica, social e econômica, relacionados, por exemplo, ao bem estar, acessibilidade, desenho urbano, uso e ocupação do solo, paisagem, segurança, saúde física e mental, organização, atividades, oportunidades, diversidade, dentre outros e, a bem da verdade, abrange todos os 9 temas trazidos pela questão 2 da pesquisa, e vai além.
Procurar elevar o nível de qualidade ambiental urbana do centro do Rio, como primeira prioridade, significa, a meu ver, encarar o plano a partir de uma visão sistêmica, que considera todos os temas, medidas e elementos a serem tratados na medida em que contribuam para um objetivo principal e maior, sem focar desproporcionalmente em aspectos específicos, mas buscando a organização da cidade como forma de boa convivência entre aqueles que ocupam os seus espaços, no comércio ou como núcleo residencial.
Segurança
Pessoalmente, eu não compartilho do mesmo nível de receio - em alguns casos de terror - que a maioria das pessoas com relação à sensação de segurança ao se caminhar pelo centro do Rio, mas isto é menos que um exemplo de evidência anedótica, e se um plano com os objetivos do Reviver Centro tiver alguma chance de obter sucesso relevante isso passará por encarar a questão na segurança - e da sensação de segurança - de alguma forma, e dentro do grupo dos temas prioritários.
Comércio
Outros serviços
O centro do Rio já tem uma diversificada oferta de comércio e serviços, é grande parte do que faz desta área uma “cidade de 5 minutos”, nas palavras de Washington Fajardo, e é assim que tem de ser mesmo. Mas, além de já ser um dos grandes atrativos da área central, o comércio e os serviços também se constituem num dos principais instrumentos para se “atacar” outros temas e aspectos, tais como a segurança, por exemplo, ao buscar explorar o térreo dos edifícios com lojas, como as diretrizes já divulgadas indicam, o que também está relacionado a “vitalidade” e qualidade ambiental urbana.
Mobilidade / Acessibilidade
Transporte público
Mobilidade, acessibilidade e transporte são elementos essenciais para viabilizar uma área como núcleo residencial, mas não são, nem de longe, o ponto mais fraco do centro do Rio. Transporte público, sobretudo, não é, pelo contrário, é a única região da cidade onde este aspecto é razoavelmente bem resolvido, quase todos os modais existentes na cidade estão presentes no centro e relativamente bem integrados, com exceção do BRT (o que não deixa de ser uma vantagem também).
Os maiores desafios estão no aspecto da micromobilidade. Deslocamentos a pé são prejudicados em maior ou menor grau, a depender do trecho do centro, pela baixa qualidade das calçadas e passeios (com manutenção quase inexistente), descontinuidade de caminhos, etc. A infraestrutura cicloviária também é uma questão relevante (e numa análise superficial, não me parece tão difícil e dispendiosa).
Serviços de saúde e educação
Serviços de esporte e lazer
Serviços de cultura
Saúde, educação, esporte, lazer e cultura são fundamentais para uma cidade, e o centro do Rio já é rico em todos estes aspectos muito acima da média da cidade, e de praticamente qualquer outra parte específica da cidade. Cultura, sobretudo, talvez seja o ponto mais forte, o que se pode melhorar, pontualmente, é o acesso.
Evidentemente, à medida que é planejado um incremento de população, a infraestrutura de educação, e em um menor grau também de saúde, esporte e lazer, precisa ser ampliada, no sentido de absorver a demanda maior, o que é uma questão mais técnica que estratégica.
A forma como circulamos pelo centro
Na sequência, a pesquisa apresenta três questões de múltipla escolha sobre a forma como circulamos pelo centro:
Você se sente seguro em circular a pé pelo centro? Marquei “sim, apenas durante o dia”, mas teria marcado “nenhuma das alternativas”, se houvesse a opção. É evidente que na maior parte do centro do Rio - e do Rio - nos sentimos mais seguros durante o dia que durante a noite, mas o recorte temporal não é o melhor para explicar a sensação de segurança ao se caminhar.
Eu moro no centro do Rio há alguns anos, trabalho no centro há mais tempo ainda, e existem trechos onde me sinto seguro - tanto quanto possível - mesmo durante a noite, até durante a madrugada, já outros trechos evito mesmo durante o dia, sei que exemplos anedóticos não contam, mas a única vez em que fui assaltado no centro foi ainda durante o dia (não por acaso, na parte do centro projetada conforme os paradigmas modernistas).
Quem formulou a pergunta provavelmente estava pensando naquela parte mais tipicamente comercial (mas não modernista) do centro, Rio Branco, Carioca, Cinelândia, etc, para a qual a resposta é óbvia: relativamente “seguro” de dia, inseguro de noite.
Você utiliza veículo próprio para se deslocar pelo centro? Não.
Você utilizaria bicicleta para se deslocar pelo centro? Não, mas gosto de acreditar que utilizaria caso existissem ciclovias ou caminhos cicláveis melhor conectados.
Por fim, a pesquisa termina com duas questões “dissertativas”.
Qual a maior dificuldade de mobilidade / acessibilidade para morar no Centro?
Conforme já mencionado acima, na questão das prioridades, entendo que os maiores desafios estão no aspecto da micromobilidade, dado que o centro do Rio já é bem servido por transporte público, de todos os modais da cidade (menos o BRT, ainda bem), tem até aeroporto acessível a pé, e o VLT, alguns anos atrás, de certa forma fechou o gap que faltava (para o centro).
Neste sentido, os passeios e calçadas seriam o maior desafio atual para a micromobilidade no centro, seja do ponto de vista da simples manutenção (quase inexistente há alguns anos, qualquer coisa já melhoraria bastante), seja sob outros aspectos mais estratégicos como, por exemplo, a escolha dos materiais de calçamento. Precisamos mesmo insistir tanto em pedra portuguesa? Quero dizer, onde houver um caráter histórico e cultural relevante, que se encare o desafio da manutenção. Onde não for o caso, porquê?
Outro ponto fundamental e tangencialmente relacionado à mobilidade e à acessibilidade são as chamadas fachadas ativas, o uso que se dá às edificações adjacentes aos passeios e calçadas, mais especificamente a sua exploração por lojas, serviços e outros usos capazes de trazer movimento e “vitalidade” ao caminho.
Fachadas ativas melhoram muitíssimo não apenas a sensação de segurança, muito mais que quaisquer medidas “de segurança” em si, mais que iluminação (também importante), como também possuem um efeito positivo na própria mobilidade e acessibilidade. Felizmente, grande parte do centro do Rio possui fachadas ativas (o centro não é a Barra, nem de longe), que é o que garante a sensação de relativa segurança, ao menos durante o dia, na parte comercial. Infelizmente, poderia ser bem melhor também sob este aspecto.
Eu, por exemplo, quando percorro a pé a distância entre casa e trabalho, o que faço na maior parte das vezes, frequentemente tenho de atravessar o trecho conhecido como Esplanada de Santo Antônio, a pequena parcela do centro do Rio projetada conforme os paradigmas modernistas (e, portanto, sem fachadas ativas, nem nenhuma consideração pela possibilidade de se deslocar a pé), e isto é um problema de mobilidade. A mesma distância percorrida na região do Castelo, Carioca, Senado, bairro de Fátima, etc, é muito mais segura, suave, tranquila e agradável do que atravessar a terrível - ainda que curta - Esplanada de Santo Antônio.
Talvez não tenha sido o melhor exemplo, já que não me parece muito simples - ou possível - implantar fachadas ativas ali, onde nem fachadas adjacentes ao passeio existem, mas onde for possível, deveria ser feito.
Como melhorar a qualidade ambiental do Centro?
Qualidade ambiental urbana, como já citado, é um conceito bastante amplo, e de fato resume os objetivos e diretrizes norteadoras do plano proposto, mas se eu for encarar a questão de forma, digamos, prática, eu diria que, além do óbvio, como manutenção de calçadas e passeios, arborização e iluminação e, como já mencionado na resposta anterior, fachadas ativas, de modo a termos um ambiente ativo, vivo, interconectado, caminhável e agradável, não vejo UMA grande medida que tenha efeito mais prático do que simbólico, mas uma série de pequenas medidas, muitas…
Uma conexão entre dois trechos de passeio isolados, a reorganização de um pequeno espaço, o ordenamento de uma “plantação de placas” aqui e a eliminação de uma banca de jornal que enclausura a calçada ali… muitas pequenas coisas, que parecem não se encaixar em nenhum grande projeto, e o Rio de Janeiro gosta muito de grandes projetos.
Em certo sentido, o Rio de Janeiro, ao longo de toda sua história, sempre esteve, contínua e intermitentemente, envolvido em grandes projetos, sem nunca dar atenção a detalhes pequenos, mas que em conjunto tem o poder de transformar uma cidade incrível num conjunto retorcido de retalhos, ao nível do solo. Não me refiro a detalhes pequenos do tipo que se resolvem com manutenção e reparos, mas a detalhes que, mesmo pequenos, requerem estratégia, conceito e tratamento.
Porque a solução para aquele passeio, aquela esquina, aquela praça precisam esperar 20 ou 30 anos pelo próximo Rio Cidade ou Porto Maravilha? (ou Reviver Centro?) Que tal ter um departamento, uma equipe, um profissional que seja, dedicado a, contínua e estrategicamente, tratar de problemas pequenos?
Conclusão
Estas são as minhas humildes considerações e respostas na pesquisa que inicia este processo que será o plano Reviver Centro, que espero que seja bem sucedido. Escrevi como um registro pessoal, como forma de “organização do raciocínio” e porque entendo que o tema está muito relacionado ao que abordo aqui no blog Inteligência Urbana. Espero que tenha alguma utilidade para quem eventualmente tropeçar pelo texto na internet, para o grupo ainda mais restrito dos que tropecem a tempo e morem no Rio, recomendo que participem da pesquisa, aqui.
Além do blog, a plataforma Inteligência Urbana disponibiliza páginas com referências para livros, cursos e leis e normas relacionadas aos temas que tratamos aqui. Caso você tenha interesse pode conferir nossos serviços oferecidos e entrar em contato quando quiser. Se quiser ser alertado da publicação de material novo pode assinar a nossa newsletter, e muito obrigado pela atenção até aqui!
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